onde os ipês florescem em agosto

Leia um trecho
O Saci
Todos tínhamos medo do saci. Para que não ficássemos na rua até tarde, as mães contavam “causos” de gente que tinha sido abordada por ele nas estradas, pra pedir fogo ou fumo pro pito. Quando um animal relinchava de noite, no pasto, a mãe dizia:
- Dorme! Olha lá o saci fazendo tranças nas crinas do cavalo!
Meu cunhado contou, uma vez, que um saci tinha pulado na garupa do tordilho que ele montava, numa noite escura, quando ele voltava pro sítio, lá nos Olhos d’Água. O cavalo desembestara pasto afora e ele não conseguira se manter suficientemente firme para olhar pra trás. Por isso, não sabia que cara ele tinha. Que medo!
Mas, quem tinha medo, pavor de saci, era a Mariinha minha irmã.
Numa noite de lua nova, desceu toda a moçada do Vale lá pra chácara do Zé Totó, pra brincar com a Dosa e a Deolinda, as filhas mais velhas dele. Nós, crianças, também descemos, pois tinha a Preta e a Anita que eram da nossa idade.
Fizemos rodas grandes, daquela vez. As irmãs, às vezes, tinham uns ataques de criancice e brincavam conosco. Adorávamos essas raras ocasiões.
Dona Isabel, a mãe das meninas, estourou pipoca e fez café pra todo mundo. Depois, chupamos cana, jabuticaba e uvas docinhas das parreiras do fundo do quintal.
Quando as moças se reuniam assim, os rapazes sempre davam um jeito de aparecer. Passavam galopando por perto, faziam a maior algazarra, soltavam gritos, rodeavam, pra ver se as namoradas desistiam das brincadeiras.
Naquela noite aconteceu tudo como sempre, porém, na hora de voltar pra casa, a Mariinha se lembrou de ter medo do saci. Subiu pelo trilho do pastinho já tiritando de pavor. No Viradouro vimos uma luzinha que acendia e apagava, acendia e apagava...
Paramos transidas, os joelhos bambeando e o grito de socorro engasgado na garganta. Mariinha não esperou. Aos berros, correu aos trambolhões por entre os eucaliptos, varando a cerca de arranha-gato e, numa arrancada só, chegou em casa, estourando a tramela da porta da cozinha, no impulso de se proteger.
Nós, que o medo paralisara, ficamos lá no meio do pastinho, até ouvir o pigarro do meu irmão, que, sossegado, esperava a namorada, fumando seu cigarro no escuro.